OAB critica Anatel e pode ir à Justiça contra restrições.
Ministro quer manter planos ilimitados
“É inaceitável que uma entidade pública destinada a defender
os consumidores opte por normatizar meios para que as empresas os prejudiquem”
Claudio Lamachia Presidente da OAB
A OAB reagiu à decisão da Anatel de permitir que as
operadoras limitem o acesso à internet fixa. E ameaçou ir à Justiça, por
entender que a cobrança fere o Código de Defesa do Consumidor. O ministro das
Comunicações, André Figueiredo, afirmou que vai agir para manter a oferta de
planos ilimitados.
-BRASÍLIA E RIO- Um dia depois de o presidente da Anatel,
João Rezende, afirmar que a era da internet fixa ilimitada chegou ao fim, a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acenou com a possibilidade de recorrer à
Justiça contra a cobrança. O novo modelo proposto pelas empresas já havia sido
alvo de críticas e de promessas de ação judicial por parte de órgãos de defesa
do consumidor. A polêmica, porém, ganhou força com a decisão da Anatel, na segunda-feira,
de proibir apenas temporariamente a adoção do modelo, até que as operadoras
apresentem ferramentas de controle de uso, além de uma carência de 90 dias.
A OAB enviou à Anatel um ofício solicitando que não seja
possível restringir o acesso dos clientes à banda larga fixa e ameaçou ir à
Justiça caso o órgão regular não volte atrás. Em nota, o presidente da OAB,
Claudio Lamachia, criticou a agência e classificou a proposta de cobrança como
“anticoncorrencial”. “É inaceitável que uma entidade pública destinada a
defender os consumidores opte por normatizar meios para que as empresas os
prejudiquem”, disse.
Na avaliação da OAB, a posição da Anatel — de que as teles
podem limitar o acesso, reduzir a velocidade de conexão ou cobrar por
excedentes de consumo quando o usuário chegar ao limite de dados previsto em
contrato — fere o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor.
“A Anatel parece se esquecer de que nenhuma norma ou resolução institucional
pode ser contrária ao que define a legislação”, disse Lamachia, em nota,
destacando que a banda larga fixa à disposição da sociedade é um “ato de
cidadania”. Procurada, a Anatel disse que não comentaria as manifestações.
O ministro das Comunicações, André Figueiredo, disse que vai
agir para manter a oferta de planos de banda larga fixa sem limites de dados e
para que os contratos vigentes não sejam prejudicados:
— O usuário não pode ser, de forma nenhuma, prejudicado. A
colocação do presidente da Anatel foi totalmente desnecessária e está causando
muita celeuma. Talvez em alguns países não existam (planos ilimitados), mas a
realidade do Brasil precisa ser respeitada — disse ao GLOBO. GOVERNO TENTA
OBTER COMPROMISSO DE TELES Figueiredo disse que procurou a Vivo — que deu
início à polêmica ao comunicar os consumidores sobre limites em novos
contratos, que seriam cobrados a partir do próximo ano — e que procurará outras
teles para que elas se comprometam a respeitar contratos em vigor. A
expectativa do governo é fechar acordos nesse sentido já na próxima semana.
Procurada, a Telefônica Vivo informou que, se vier a limitar
os dados, fará todos os esforços para tirar as dúvidas dos usuários. Segundo a
operadora, o compromisso negociado prevê não mudar unilateralmente contratos em
vigor e, para contratos novos, deixar à disposição dos clientes, durante meses,
ferramentas para medir seu consumo e assim encontrar o plano mais adequado ao
seu perfil.
Segundo uma fonte da Anatel, mesmo que os planos vigentes
tenham suas regras mantidas, na prática, os contratos tendem a ser renovados
com o tempo pelo próprio avanço da velocidade de acesso da internet e da
demanda de dados.
O ministro destaca que o consumidor precisa ter acesso a
informações claras:
— O consumidor não pode fazer adesão a um plano que não está
de acordo com as necessidades dele, porque o usuário não tem noção, por
exemplo, do que dez gigabytes de franquia podem propiciar.
Levantamento feito pelo GLOBO mostra que um pacote com 80
gigabytes de dados, por exemplo, não é suficiente para assistir, em alta qualidade,
a uma temporada completa da série “House of Cards”, considerando gasto de dez
gigabytes por hora. Da mesma forma, quem faz download de jogos só conseguiria
baixar um por mês. Ainda é possível, porém, assistir a 17 filmes no iTunes. Mas
é preciso levar em conta que a franquia é compartilhada pelos moradores de uma
casa. EFEITO EM LAZER E EDUCAÇÃO Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de
Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS), afirma que os números mostram o quão
prejudicial pode ser o limite de consumo:
— Uma franquia baixa pode ser prejudicial. E não apenas para
o entretenimento. Isso inclui também cursos de educação à distância e
videoaulas de cursinhos para concurso, por exemplo. Não dá para dizer que ver
vídeos é somente para heavy-users. As franquias baixas jogam por terra a
experiência da internet para a população brasileira.
Especialistas em telecomunicações argumentam que a cobrança
de franquia na internet fixa é resultado de uma briga entre as empresas de
telefonia e as companhias de internet, como Facebook, Netflix e Google. Para
eles, a maior demanda por vídeo tem causado forte aumento no tráfego de dados.
Neste cenário, as companhias tentariam repassar ao consumidor o custo maior de
investimentos em rede.
— Na banda larga fixa, o vídeo, que hoje representa 67% do
total do tráfego, deve subir para 80% em 2020. O vídeo será dominante — disse
Hugo Baeta, diretor da empresa de tecnologia Cisco para o segmento de
Operadoras.
Para Frederico Ceroy, coordenador do Instituto Brasileiro de
Direito Digital, o modelo de franquia de banda larga fixa é adotado em vários
países. As dificuldades no Brasil se devem, segundo ele, sobretudo à falta de
infraestrutura necessária para que as operadoras entrem os dados propostos na
franquia. Para ele, o pagamento de franquia será inevitável, e quanto mais
tarde for adotado, maior será a diferença entre o que a operadora vende e o que
ela entrega.
— De um lado, não temos infraestrutura necessária para que
as empresas entreguem o valor real da franquia. De outro, não conseguimos
chegar a essa infraestrutura sem cobrar pela internet — pondera. — Para o
marketing da operadora é mais interessante oferecer banda larga ilimitada. Mas,
com o uso exacerbado de streaming, download ,a matemática não fecha, não há
infraestrutura.
O empreendedor digital Celso Fortes diz que as empresas
deveriam buscar outros caminhos:
— Lá atrás, foram as operadoras que ofereceram planos
melhores, com desconto aos clientes. Depois que se dá algo ao consumidor, é
muito difícil retirar. (*) Estagiário sob supervisão de Janaina Lage.
Fonte: Jornal O Globo
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